segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Um pouco da história do samba-enredo carioca







Rio de Janeiro, início do século XX. No princípio, era o samba. E o carnaval. Um, amaxixado, de Donga, Sinhô, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, João da Baiana e tantos outros bambas. O outro, com seus Blocos, Ranchos, Sociedades...
No fim da década de 20, vieram as primeiras escolas de samba, com seu cortejo que necessitava de um ritmo mais apropriado do que o usual, geralmente ouvido nos blocos, pra se desfilar cantando e dançando. Ismael Silva disse: “o estilo não dava pra andar. (...) O samba era assim: tan tantan tan tan tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar assim na rua? Aí, a gente começou a fazer um samba assim: bum bum paticumbumprugurundum”. E foi ao som deste ritmo mais “andável” (na falta de uma palavra melhor!) que nasceu o samba-enredo.
                As escolas se apresentavam na Praça Onze e em visitas a suas coirmãs, e já existiam competições entre sambistas, mas começaram a ganhar destaque ao despertar interesse da imprensa. Em 1932, o jornal Mundo Sportivo promoveu um concurso entre as escolas, por sugestão de seu diretor e proprietário, Mário Filho. Em 1934, as escolas de samba passam a fazer parte do carnaval oficial da cidade, recebendo subvenção solicitada pela União das Escolas de Samba, entidade representativa das mesmas - fundada neste mesmo ano.
Em suas primeiras aparições, o que viria a ser o samba-enredo se parecia com o que se vê nos sambas de partido alto: o povo ia cantando em coro a primeira parte e na segunda parte havia improvisação, os compositores “repenteando” na avenida. Geralmente, apresentava-se mais de um samba, de autoria coletiva, sem a menor obrigatoriedade de atrelar-se a um tema. Por isso, sequer tinha este nome, samba-enredo.
                Apontar o primeiro samba relacionado a um enredo é uma dura missão, a discussão é polêmica Há vários exemplos ao longo da década de 30 que relacionaram, direta ou indiretamente, a música ao tema apresentado: em 1933 temos Homenagem”, de Carlos Cachaça, da Mangueira e “O mundo do samba”, de Leandro Chagas, da Unidos da Tijuca; “Teste ao samba”, de Paulo da Portela, possivelmente apresentado em 1934; “Paz universal”, de Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola, cantado pelo Império Serrano em 1946. Silas de Oliveira disse ter sido este o primeiro samba composto especialmente para um enredo pré-estabelecido, uma vez que outras escolas, apesar de terem sambas relacionados a seu enredo, desfilavam com seus sambas de terreiro. O certo é que esta relação samba e enredo se consolidou no fim da década de 40, e passa a ser oficial no regulamento de 1952.
O regulamento dos desfiles também orientava a feitura do samba-enredo. Desde 1946 havia perdido seu caráter improvisado, e apesar de estar presente já nos primeiros desfiles, a temática nacional passa a ser obrigatória no regulamento da prefeitura em 1947.  Essa obrigatoriedade do caráter nacional parece ter acontecido primeiro nas próprias escolas, cuja entidade representativa já em 1939 colocou em seu regimento a proibição de “histórias internacionais em sonhos ou imaginação”.
Na década de 50 passou a ser comum um tipo de samba-enredo que ficou conhecido como lençol: discorria sobre um tema histórico com riqueza de detalhes, com datas e nomes completos e tinha como característica básica sua extensão, alguns apresentando 45 versos. O autor que mais se destacou neste estilo foi Silas de Oliveira, do Império Serrano, apontado por muitos como fixador deste modelo. Alguns exemplos clássicos do estilo: “Sessenta e um anos de República” (1951), “Aquarela brasileira” (1964), “Cinco bailes da história do Rio” (1965), do Império Serrano; “Epopeia do samba” (1955) e “Chica  da Silva” (1955), ambos do Salgueiro. Este modelo perdurou pelas décadas de 50 e 60.
Na década de 60 iniciou-se um processo que atingiu paulatinamente todas as escolas: ganha voz e espaço a figura do carnavalesco, geralmente um elementos extra-comunidade, fato que mudou a concepção estética do desfile, transformou seu aspecto plástico. Como era de se esperar, a música oficial da festa também acompanhou estas mudanças.
Foi através da influência desse elemento estranho à comunidade que a temática negra ganhou espaço no cenário das escolas. Fernando Pamplona, artista plástico convidado pelo Salgueiro, apresenta uma sequência de desfiles que retoma a história do negro, com “Zumbi dos Palmares” (1960), “Chica da Silva” (1963) e “Chico Rei” (1964).
Seguindo a trilha de Fernando Pamplona, seu discípulo Joãosinho Trinta inaugurou, no carnaval de 1974, uma prática que veio a ser incorporada ao samba-enredo ao longo do tempo: as temáticas oníricas. O enredo era: “O Rei de França na Ilha de Assombração”, contando algumas lendas do Maranhão e o sonho de Luís XIII de França que imaginou como seriam as terras a serem invadidas. E o Salgueiro sagrou-se campeão com os delírios de João. No ano seguinte, Joãosinho levaria o Salgueiro mais uma vez ao campeonato, com o enredo “O segredo das minas do Rei Salomão”, e com ele introduziu um costume execrado por muitos: a montagem do samba-enredo a partir da junção de partes de sambas diferentes. O samba costumava ser escolhido pela preferência da escola, principalmente por suas pastoras, mas ao longo do tempo, sua escolha passou a ser feita através de concursos internos.
Até então, existia um consenso sobre quais seriam as maiores escolas de samba: Mangueira, Portela, Império Serrano e Salgueiro, conhecidas como superescolas, pois estavam sempre entre as primeiras colocadas. E é mais uma vez Joãosinho Trinta que modifica o cenário: em 1976, traz para este grupo seleto uma escola considerada média, a Beija-flor de Nilópolis. Seu enredo “Sonhar com rei dá leão” falava sobre o jogo do bicho, mais uma inovação temática.
O jogo do bicho já tinha uma relação de mecenato com as escolas de samba, mas esta se estreita neste período. Isto, somado junto à ação do carnavalesco, contribuiu para uma mudança de foco do carnaval, trazendo para o desfile características de show business, como por exemplo, a crescente grandiosidade e a verticalização dos carros alegóricos.
Junto ao processo de consolidação do mercado de bens culturais, iniciado na década de 60 no Brasil, as escolas de samba começaram a ter um público mais amplo, ganhando destaque na programação turística do Rio de Janeiro, com ampla cobertura da imprensa escrita e televisiva. Este crescimento também fez com que cada vez mais houvesse pressão por parte das escolas pela construção de um espaço exclusivo para o desfile, que de tempos em tempos mudava de endereço.
O samba-enredo não era um produto de grande destaque na indústria fonográfica. Houve gravações eventuais, geralmente sambas das quatro grandes (Mangueira, Portela, Império Serrano e Salgueiro) ou discos temáticos de uma escola, até 1968. Este ano marcou o surgimento de registros mais organizados de sambas-enredo: o primeiro, não comercial, feito pelo Museu da Imagem e do Som, com os sambas das escolas participantes do primeiro grupo; o segundo, comercial, feito pela gravadora DiscNews, gravado ao vivo na quadra das escolas, intitulado “Festival de sambas Vol I" Mas a chancela oficial das escolas só aparece em 1970, quando são lançados pelo selo AESEG, associação representativa das mesmas, os discos do primeiro e do segundo grupos, pela gravadora Caravelle. O interessante é que neste ano também houve o lançamento de “Festival de sambas Vol. III”, e só ouvindo os três discos era possível compor o panorama dos sambas daquele carnaval. Deste momento em diante, o LP dos sambas-enredo foi um dos mais tocados nas emissoras de rádio e um dos mais vendidos no Brasil.
Isto repercutiu na maneira de fazer o samba-enredo, acompanhando a evolução dos desfiles de uma ordem artesanal pra uma industrial. Curiosamente, foi neste momento que algumas escolas acabaram retomando a forma mais simples e original do samba-enredo. Isto pode ser visto, por exemplo, em “Festa para um rei negro” (Salgueiro – 1971), que tem forma A /B (refrão/estrofe), rompendo com a tradição dos sambas tipo lençol, estilo problemático para divulgação radiofônica por seu caráter longo.
Ao longo da década de oitenta, a venda dos discos de samba-enredo ultrapassava facilmente a marca de um milhão de cópias, mas a partir de 1993, as vendas começaram a cair. Neste período consolidaram-se várias características musicais que podemos ver até hoje no samba-enredo: a aceleração do andamento, a marcialização do aspecto rítmico, o aparecimento de harmonias mais sofisticadas, mas o aspecto que mais chama a atenção é o da forma. O estilo lençol deu lugar a uma forma quase padronizada, recorrentemente A/B/C/D ou A/B/C/D/E, ordenada de forma cíclica. E apesar de ainda termos hoje sambas lindos e memoráveis, não dá pra não notar a semelhança entre vários deles...
É certo que a escola de samba e o samba-enredo hoje possuem um caráter industrial, mas também é certo que este processo não ocorreu sem a reflexão das próprias escolas sobre ele. Já foi cantado na avenida... No famoso “Bumbumpaticumbum Prugurundum”: super escola de samba S.A./ super alegoria/ escondendo gente bamba/ que covardia (Império Serrano - 1982) e em “O samba sambou”: o mestre-sala foi parar em outra escola/ carregado por cartolas do poder de quem dá mais/ e o puxador vendeu seu passe novamente/ quem diria, minha gente/ vejam o que o dinheiro faz/ é fantástico/ virou Hollywood isto aqui/ luzes, câmeras e som/ mil artistas na Sapucaí. (São Clemente - 1990).

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