sexta-feira, 4 de março de 2016

"Todo mundo te conhece ao longe pelo som dos teus tamborins e o rufar do teu tambor... Chegou, a Mangueira chegou!"

     Por Carla Vizeu

     Quando eu era criança, eu queria ser o Jamelão. Passava as noites de desfile (tentando ficar) acordada só pra poder ouvir sua voz poderosa chamando a verde e rosa pra avenida: "Madeira de dar em doido é Jequitibá, deixa a Mangueira passar!"
     É este tipo de paixão que a Estação Primeira desperta. É daqueles amores contundentes, eternos, amor de Mangueira que "bate e fica"... Quem gosta, ama. E quem não gosta, respeita.
     A dois anos de completar seu centenário, nasceu no morro que lhe batizou, fundada por Angenor de Oliveira (Cartola), Saturnino Gonçalves (Seu Saturnino), Abelardo da Bolinha, Carlos Moreira de Castro (Carlos Cachaça), José Gomes da Costa (Zé Espinguela), Euclides Roberto dos Santos (Seu Euclides), Marcelino José Claudino (Seu Maçu) e Pedro Paquetá, que resolveram unir os diversos blocos existentes no morro. A Central do Brasil há muito já tinha oficializado o apelido do morro ao denominar a estação ali instalada de Estação de Mangueira. Como era a primeira parada na direção do subúrbio onde havia samba, a escola ganhou o nome de Estação Primeira. As cores verde e rosa foram sugeridas por Cartola. 
     Mangueira já era berço do samba e musa desde antes da fundação da escola. O primeiro compositor a dedicar uma música a Mangueira foi Manoel, Dias, em 1925. Pouco depois, em 1929, o samba "Chega de demanda", de Cartola, feito para proclamar a união dos blocos do morro, saiu do morro e conquistou a cidade.
     Muitos foram tocados pelo encanto da Mangueira, o que rendeu muitos e lindos sambas. Seu cenário, suas cabrochas, a vida do morro foram exaltados pelos mais diversos compositores: moradores do morro e integrantes da escola, como Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé da Zilda, Geraldo Pereira, Herivelto Martins, tantos!... e admiradores da mesma, como Assis Valente, Noel Rosa, o portelense Paulinho da Viola, Tom Jobim, Chico Buarque... A lista é imensa.
     Em "Mundo de zinco" (1952), parceria de Wilson Batista com o caricaturista Antônio Nássara,  se revela o sentimento de pertencimento ao morro e de reconhecimento de sua cultura musical, mostrando a favela a partir de suas características físicas constituída como espaço de habitação precária, improvisada, mas com fortes laços emocionais: "Aquele mundo de zinco que é Mangueira/ Desperta com o apito do trem/ Uma cabrocha, uma esteira/ Um barracão de madeira/ Qualquer malandro em Mangueira tem/ Mangueira fica pertinho do céu/ Mangueira vai assistir o meu fim/ O samba foi minha glória/ E sei que muita cabrocha vai chorar por mim."
     Das mais conhecidas e literais exaltações, se destaca "Exaltação a Mangueira", de Aloísio Augusto da Costa e Enéas Brittes da Silva (1955), que tem uma história curiosa.  Aloíso lembra: "A princípio, a gente fez os versos Todo mundo te conhece até no interior/ Não é bafo de boca/ Nem mania, não senhor. Mas o Presidente da Mangueira, Hermes Rodrigues, reclamou: 'Desse jeito não tá legal.' Então ficou assim: Todo mundo te conhece ao longe/ Pelo som de teus tamborins/ E o rufar do teu tambor..."
     Nelson Cavaquinho e Guilherme de Britto escreveram Folhas secas para ser cantado por Beth Carvalho, mas o samba foi lançado primeiro por Elis Regina. Duas gravações feitas no mesmo ano, 1973, ambas emblemáticas e bem diferentes entre si.
     Foram muitos sambas feitos em louvor a esta dama quase centenária, ao que ela representa para os apaixonados pelo samba e para a cultura brasileira. Dava pra escrever muitos livros! De acordo com o idealizador do livro "Sambas para a Mangueira", uma edição de partituras, foram encontrados mais de 260 sambas em sua homenagem.
     Neste ano em que a Estação Primeira de Mangueira chegou ao primeiro lugar após um desfile e apuração emocionantes, a Sibipiruna vai cantar um pouco deste encanto entoado por tantos poetas. Convidamos todos a vir cantar conosco neste próximo domingo, 06/03, à sombra de nossas sibipirunas mangueirenses. Bar Esquina 108, 16h.

Fontes: 
"Sambas para Mangueira". Edição especial Samba em Revista. Centro Cultural Cartola, organização Nilcemar Nogueira. Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 2015.
Site oficial da escola: http://www.mangueira.com.br/


quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Carta-Convite de Aniversário









Campinas, 30/09/2015, 
Às centenas de pais e mães da família poligâmica sibipirunense (que não se encaixa no conceito “feliciano” de família)

Como a família é grande, não sei se todo mundo está sabendo, mas no próximo domingo, dia 04/09/2015, nossa querida filha, a Sibipiruna, completará seus 4 anos de idade. Paulatinamente ela está deixando de engatinhar, tornando-se mais independente, e, ao mesmo tempo, mais consciente e madura quanto aos seus limites e potencialidades.

Ainda outrora bebê, essa criança bagunceira passou por momentos de dificuldades neste ano. A condição pueril ainda é um entrave para as novas responsabilidades que a vida paulatinamente vai impondo. Ao mesmo tempo, ainda lhe falta senso de responsabilidade, uma vez que é preciso aprender que “nada cai do céu”, que as coisas são construídas em conjunto, com o nosso trabalho.

Apesar dos quatro anos, esta criança já passou por fortes situações emocionais. Grandes amigos se foram, novos amigos vieram. Essa criança brigou, chorou, amou, sofreu, se dividiu e se recompôs.

Ora mais enfraquecida, ora mais fortalecida, ela vem percebendo que é diferente das outras crianças, mas também carrega muitas semelhanças. Que ela tem muitas qualidades, mas também carrega diversos limites e defeitos.

Ela olha para o lado e percebe que o lugar em que ela mais gosta de estar é na rua, trocando e compartilhando com seus semelhantes, mas que seus semelhantes são, em sua maioria, muito diferentes daquelas humildes pessoas que lhe ensinaram a ser o que ela ainda está buscando ser. Ela fica triste por isso.

Impulsiva, sagaz e bagunceira, dizem que ela vem desenvolvendo de modo muito precoce, e de forma um pouco descarada, suas libidos. Constantemente é preciso chamar a atenção da criança quanto à sua idade e aos seus desejos, principalmente quando ela transita em seu estado de euforia, que normalmente ocorre quando ela brinca na rua com seus semelhantes até a noite.

É preciso comentar sobre um trauma ocorrido lá pelas bandas do carnaval. Ela estava, como sempre faz, ritualisticamente, todo o primeiro domingo do mês, brincando na esquina 108 de Barão Geraldo, quando uns homens de cara fechada, com farda, e armados vieram tirar seus brinquedos, ameaçando fechar nosso parquinho de diversões. Disseram pra ela que eram os “Coxinhas”. Ela achou engraçado: nunca pensou que poderia existir uma coxinha gigante (kkkkkkkkk). Ainda bem que várias outras criança chegaram, de todas as partes, lá do Bairro Cupinzeiro das tantas, da Avenida Altaneira de tal, da Praça Maracatucá da Silva, do Sítio Berra Vaca, dentre outros. Elas fizeram uma bagunça tremenda na praça, que os tais “Coxinhas” se amedrontaram e evaporaram como um passe de mágica. Se uma criança “incomoda” muita gente, várias crianças então ...

É! Este ano foi duro! Mas apesar dos pesares, essa criança carrega em si uma bondade e uma capacidade acolhedora enorme. Tenta agregar a todos de forma indiscriminada, e carrega o espírito da diversidade. Mesmo com vários problemas ocorridos durante o ano, ela, como ninguém, aprendeu cedo a melhor forma de existir, insistir e resistir aos obstáculos da vida: sorrir e acreditar.

Quando eu fico triste, pensando sobre as questões da vida, ela vem me tirar pra dançar e cantar, contagiando-me. Logo esqueço os problemas e volto a estar feliz. Ela sobe em meu ombro e canta em meu ouvido a sua música predileta: "Eu fico com a pureza da resposta das crianças: é a vida! É bonita e é bonita!". 

E eu acredito, e aí gente samba sem parar ... 

Te espero domingo no mesmo lugar de sempre OK?

Ahhh ... se acaso encontrarem o Silas ou o Feliciano avisem que o Boechat tem um recado pra eles ...


Bjs

sábado, 4 de julho de 2015

Nosso caro amigo Chico

     

     
     Setenta e um anos atrás, no início de julho de 1944, "a cobra fumou". Depois de muito hesitar, querendo manter o Brasil neutro na Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas, que nutria simpatia pelos regimes fascistas, decidiu mandar os primeiros soldados brasileiros para engrossar as fileiras aliadas contra o Eixo. Pouco tempo antes, em 19 de junho, nascera em uma maternidade do Catete, no Rio de Janeiro, Francisco Buarque de Hollanda, o quarto filho dos sete que tiveram Maria Amélia Alvim e Sérgio Buarque de Holanda. Pai paulista, avô pernambucano, bisavô mineiro, tataravô baiano, como cantou em Paratodos. Da mãe herdou o amor pelo Fluminense. Dono de um par de olhos cuja cor nunca deixou de ser motivo de discussão. Seriam verdes, azuis ou "cor de ardósia", como na ficha policial de FBH, "pivete" preso pelo furto de um carro aos 17 anos?

     A mãe de Chico, Maria Amélia, tocava piano, tendo estudado quando criança para se tornar concertista. O pai, Sérgio, um dos maiores intelectuais do país, segundo Chico tocava um "piano quadrado", era um grande apreciador de nossa cultura popular e gostava de ouvir sambas antigos. Nesse ambiente musical, Chico teria começado a cantar antes mesmo de falar e conheceu Noel Rosa, Geraldo Pereira e Wilson Batista, dentre outros. Nas cantorias promovidas por Vinícius em sua casa, tinha a chance de ouvir - escondido dos pais, atrás da porta - outros compositores: Ataulfo Alves, Luiz Gonzaga, Ismael Silva. Mas ele conta que gostava mesmo era de música norte-americana e queria ser baterista de jazz. Da infância na Haddock Lobo, em São Paulo, ficou o gosto pelas peladas, que eram interrompidas de vez em quando pela "morte" - os carros que passavam.

     Em 1953, mudou-se com a família para Roma, na Itália, onde o pai foi trabalhar na embaixada brasileira até ser convidado a dirigir o Museu Paulista (atualmente Museu do Ipiranga) em 1955. Chico voltou a morar em São Paulo, mas não mais na Haddock Lobo. Nessa época aprendeu a tocar os primeiros acordes com a irmã mais velha, Miúcha, que lhe emprestou o violão e também o dinheiro para comprar os LPs de João Gilberto, que fez Chico gostar mais de MPB que de música norte-americana. Depois de ouvir Chega de saudade, como ele conta, resolveu aprender aquele samba estilizado e animou-se a compor para valer.

     Aos 15 anos, em 1959, compôs a primeira música, Canção dos olhos, que se transformou num verdadeiro hit do Colégio Santa Cruz: “Meu Deus, o que será que tem/Nesses olhos teus/O que será que tem/Pra me seduzir?". Com a batida da bossa nova dominada, compôs outros sambas e começou a fazer pequenos shows na escola. Anos mais tarde, em 1963, entrou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo, simplesmente por não querer ser engenheiro nem advogado nem médico. E continuou a compor seus "sambinhas" e passou a frequentar o Sambafo, a roda de samba que acontecia no porão do prédio da FAU e recebia convidados como Toquinho e João do Vale. Chico, desde quando ainda era menor de idade, também frequentava o Juão Sebastião Bar, um dos pontos de encontro preferidos do pessoal da bossa nova na cidade de São Paulo.

     Ele estava no segundo ano da FAU quando viu a ditadura se instaurar no país em 1964, ano em que fez sua primeira apresentação profissional. Tinha 19 anos. De acordo com o produtor desse show, Walter Silva, era "um moço de 19 anos lembrando um compositor antigo. Muito antigo. Mas que letras, que rimas, que cultura gramatical e que conhecimentos históricos tinha aquele quase adolescente que me empolgava, embriagava, me embargava e me obrigava a aplaudi-lo!”.

     Fez então o que considera sua primeira composição, Tem mais samba, para um musical chamado Balanço de Orfeu, de Luiz Vergueiro. Mas, a essa altura, já era um compositor conhecido entre os universitários e colecionava alguns sucessos. Dentre eles estava Marcha para um dia de sol, cuja letra dizia: “Eu quero ver um dia/ Numa só canção/ O pobre e o rico/ Andando mão em mão/ Que nada falte/ Que nada sobre/ O pão do rico/O pão do pobre”.

     O primeiro cachê Chico recebeu pela participação, em 23 de dezembro de 1964, em um show produzido por Walter Silva, O momento é bossa, no Cine Ouro Verde, aqui em Campinas. Torrou com os amigos o que ganhou e tomou pito da mãe, que não gostou de saber que a música tinha se tornado mais que um passatempo na vida do filho. "Que vergonha!", teria dito dona Maria Amélia. Mais que um passatempo remunerado, para desgosto de sua mãe, ali começava uma das mais prolíficas e sólidas carreiras artísticas da música brasileira.

     Vieram os festivais. O primeiro de Chico foi o Festival Nacional de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, em março de 1965. O compositor inscreveu Sonho de um carnaval, que foi interpretada por Geraldo Vandré, mas não agradou. O samba sequer passou da etapa eliminatória. No ano seguinte, porém, a história seria outra. A marcha A banda empatou em primeiro lugar com a Disparada de Geraldo Vandré e Théo de Barros no II Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record.

     Então Chico se consagrou em escala nacional. Rapidamente, ficou com a agenda lotada de shows e suas músicas faziam vender milhares de discos. A partir daí não deixou de registrar em disco seu lirismo e colecionar títulos, prêmios e fãs. Nessa época Chico conheceu Marieta Severo, com quem logo se casaria para dividir com ela grande parte de sua vida e três filhas: Silvia, Helena e Luísa.

     No ano seguinte, 1967, ficou em terceiro lugar no III Festival de Música Popular Brasileira com Roda viva. E em 1968, no III Festival Internacional da Canção, a canção Sabiá, feita em parceria com Tom Jobim foi a grande vencedora. Foi uma vitória com sabor amargo, recebida sob vaias do público que lotou o ginásio do Maracanãzinho e torcia pela marcha de Geraldo Vandré, Para dizer que não falei das flores. Enquanto Vandré foi explicitamente político, Sabiá abordou sutilmente, metaforicamente, os que se encontravam exilados, fazendo referência à Canção do exílio de Gonçalves Dias. 
     Ainda em 1968, na 1ª Bienal do Samba, evento organizado pela TV Record, o samba Bom tempo (no qual podemos perceber que Chico tinha sotaque paulista) fica em segundo lugar, perdendo para Lapinha, composição de Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro. E no IV Festival de Música Popular Brasileira da Record, o samba Bem-vinda foi defendido por Chico e pelos meninos do MPB-4 e tornou-se o preferido do júri popular na final. Mas quem venceu foi Tom Zé, que defendeu São, São Paulo, meu amor.

     E o ano se encerrou com o ato institucional número 5, decretado em 13 de dezembro, proibindo qualquer tipo de manifestação política. Logo Chico seria interrogado, apesar de se encontrar nessa época afastado da militância. Por isso o amigo Vinícius o incentivou a deixar o país. Seguindo o conselho do amigo, Chico e Marieta Severo se mudaram para Roma em 1o de janeiro de 1969.


De gravação em gravação

     Foi em maio de 1965 que o compositor gravou pela RGE seu primeiro compacto, com Sonho de um carnaval no lado A. No lado B havia Pedro pedreiro, que caiu no gosto de todos que ouviram. No final do mesmo ano foi lançado o segundo compacto de Chico, com Meu refrão e Olê olá. Em 1966 foi a vez do primeiro LP, Chico Buarque de Hollanda vol.1, cuja capa é muito conhecida até hoje por circular como meme no Facebook (Chico sorridente x Chico sério). Nesse disco estão A banda, Tem mais samba, A Rita (na qual Chico homenageia Noel), Juca e Madalena foi pro mar, entre outras.

     Em 1967 lançou o LP Chico Buarque de Hollanda vol.2, no qual destacamos: Fica, Lua cheia, feita em parceria com Toquinho, a marcha-rancho Noite dos mascarados e os sambas Quem te viu, quem te vê e Com açúcar, com afeto. E o volume 3 não tardaria a vir, sendo lançado em 1968, contendo Roda Viva, Carolina, Ela desatinou, Sem fantasia e Retrato em branco e preto, feita com o parceiro Tom. Já o quarto LP da série Chico Buarque de Hollanda foi gravado por correspondência, durante o autoexílio na Itália. Nele encontramos as primeiras gravações Samba e amor, Essa moça tá diferente e Gente humilde. Gravou ainda Chico Buarque de Hollanda na Itália (RGE) e Per un pugno di samba (RCA), com suas composições vertidas para o italiano.

     Quando a família voltou ao Brasil, em 1970, depois de 14 meses fora, encontrou um clima pesadíssimo. A situação não tinha melhorado: pessoas eram torturadas ou desapareciam. Nervoso com o que viu, Chico compôs então o samba Apesar de você, que foi lançado pela Philips em um compacto. No lado B havia o samba Desalento, feito com o parceiro Vinicius. Por incrível que pareça - nem Chico acreditava que a música passaria-, o samba recebeu a aprovação da censura, que já lhe proibira Tamandaré, que ofenderia o patrono da Marinha brasileira. Depois que cem mil cópias do compacto tinham sido vendidas, um jornal insinuou que o samba era uma "homenagem" ao presidente Emilio Garrastazu Médici. O disco entrou na lista negra da ditadura. Agentes invadiram a gravadora e destruíram os exemplares que encontraram. Interrogado sobre o samba, Chico se defendeu dizendo que "você" era uma mulher mandona. E voltou a gravá-lo em 1978.

     O LP Construção foi lançado em 1971 como Deus lhe pague, Cotidiano, Olha, Maria (com Vinicius de Moraes e Tom Jobim), Samba de Orly (com Vinicius e Toquinho) e Construção. Com versos que terminam em proparoxítonas - última, única, próximo, príncipe, tráfego, trânsito-, essa canção tinha presença obrigatória em nossas antologias escolares. No ano seguinte lançou pela Philips o LP Quando o carnaval chegar, com as músicas que compôs para o filme homônimo de Cacá Diegues no qual Chico estreou como ator de cinema: além da canção que tem o nome do filme, Baioque, Bom conselho, Mambembe e Partido alto, dentre outras. Em 1973, a Philips lançou o LP Chico canta, com as músicas compostas para a peça Calabar, o elogia da traição, escrita em parceria com Ruy Guerra e proibida pela censura. O disco contém músicas como Tatuagem, Bárbara, Fado tropical, Tira as mãos de mim e Você vai me seguir, feitas também em parceria com o cineasta. Foi liberado pela censura, mas não com o nome original: Chico canta Calabar.

     Com a censura no seu encalço, interditando todas as músicas assinadas por ele, em 1974 Chico lançou um disco em que interpreta músicas de outros compositores: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Geraldo Pereira, Noel Rosa, Tom Jobim, Dorival Caymmi e Julinho da Adelaide. Esse desconhecido era o autor do samba Acorda, amor, que fala do pesadelo real que é a chegada da "dura numa muito escura viatura". Julinho chegou a dar uma entrevista a Mário Prata no jornal Última Hora. Seria o compositor também de Jorge Maravilha, que Chico jura não ter sido feita para provocar o todo-poderoso general Ernesto Geisel. "Você não gosta de mim/mas sua filha gosta".... Só que não: Julinho era o próprio Chico tentando se esquivar das garras da censura. No ano seguinte, uma matéria do Jornal do Brasil revelou seu artifício. E lá se foi Julinho... e os censores, enfurecidos com o truque e o responsável por ele, passaram a exigir que cópias do RG e do CPF dos compositores fossem enviadas com as músicas que seriam avaliadas.

     É de 1976 o disco Meus caros amigos, lançado pela Philips, que tem Meu caro amigo, escrita para o amigo Augusto Boal, então no exílio, e muitas outras canções que se destacam no repertório de Chico, como Corrente, Mulheres de Atenas e Vai trabalhar, vagabundo, composta para o filme homônimo de Hugo Carvana. E logo as crianças seriam brindadas com as versões em português que fez para as canções de Sérgio Bardotti e Luiz Enriquez para o musical infantil Saltimbancos. O LP Saltimbancos, lançado em 1977, reuniu canções que marcaram a infância de quem as ouviu, dentre as quais A história de uma gata, O jumento, Um dia de cão e Todos juntos.

     Aos adultos, em 1978, Chico brindou com as composições que fez para o musical Ópera do Malandro, escrito por ele com base na Ópera dos Mendigos, de John Gay, e na Ópera de três vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill. O malandro e O malandro no2 foram versões feitas para canções originais de Brecht e Weill, mas a maior parte das músicas foi feita por Chico. Dentre elas estão Geni e o Zepelim, Homenagem ao malandro, Teresinha, Folhetim e Pedaço de mim. No mesmo ano, o LP Ópera do Malandro foi lançado pela Philips, que também lançou o disco Chico Buarque, no qual encontramos Até o fim, Feijoada completa, Pivete, Tanto mar e Apesar de você. Em 1980 lança pela Philips o LP Vida, que tem Deixa a menina, Eu te amo, Morena de Angola, que ficou conhecida na voz de Clara Nunes, e Bastidores, popularizada por Cauby Peixoto.

     O LP Almanaque, lançado em 1982, tem capa e encarte primorosos, criados por Elifas Andreato como um almanaque, contendo calendário, horóscopo, charada, "pensamento", além da ficha técnica e das letras das canções, como Almanaque, As vitrines, Ela é dançarina, A voz do dono e o dono da voz e Amor barato. Com o novo parceiro, Edu Lobo, pôs-se a criar uma obra prima. Os dois compuseram dez canções para o balé chamado O grande circo místico, com roteiro de Naum Alves de Souza baseado em um poema de Jorge de Lima. O espetáculo estreou em março de 1983, quando também saiu o disco contendo, dentre outras, Na carreira, Beatriz, A história de Lily Braun e a impagável Ciranda da bailarina.

     Depois veio outro LP Chico Buarque, lançado pela Barclay/Ariola em 1984. É o disco que tem Vai passar, como Pelas tabelas, Suburbano coração, Brejo da Cruz e Mano a mano, esta última feita em parceria com João Bosco. Em 1987, a BMG-Ariola lançou Francisco, disco no qual Chico gravou Estação derradeira e Todo o sentimento, dentre outras. Dois anos mais tarde seria lançado outro disco intitulado Chico Buarque, pela BMG-Ariola, com as primeiras gravações de canções que ele revisitaria em discos futuros: Uma palavra, Morro Dois Irmãos, Trapaças, O futebol e A mais bonita. Em Paratodos, lançado pela BMG-Ariola em 1993, podemos destacar o baião homônimo, Futuros amantes, De volta ao samba e Biscate, gravada com Gal Costa. O CD Uma palavra, lançado em 1995 pela BMG, é feito de releituras de suas próprias composições.

     Em 1997, Chico homenageou a Mangueira, sua eleita entre as escolas de samba do Rio, compondo o samba exaltação Chão de Esmeraldas e gravando o CD Chico Buarque de Mangueira, lançado pela BMG Brasil, no qual diversos intérpretes cantam clássicos dos compositores da escola. Neste CD Chico Divina dama e Sala de recepção, sambas de Cartola, e Exaltação à Mangueira, de Enéas Brites e Aloísio Costa. E em 1998 Chico foi o enredo do desfile da Estação Primeira de Mangueira, que comemorava então seu 70º aniversário e sagrou-se campeã - mesmo tendo de dividir o prêmio com a Beija-Flor-. Foi o ano do lançamento do CD As cidades pela BMG/Brasil, no qual Chico gravou Injuriado, Xote de navegação, música feita com o agora saudoso Dominguinhos, e a delicada Você, você, resultante de parceria com violonista Guinga. Em 2006 foi lançado o CD Carioca, o primeiro feito com a gravadora Biscoito Fino, que cinco anos mais tarde lançou o CD Chico.


Outras artes e parceiros

     Desde quando aceitou musicar Morte e vida severina, Chico criou muitas músicas de grande força e/ou beleza para o teatro e o cinema, começando pelo Funeral de um lavrador. Roda viva e Sem fantasia para Roda Viva (1968). Já falamos nas canções criadas pro filme de Cacá Diegues, Quando o carnaval chegar. Joana francesa Chico compôs para um filme de Cacá Diegues que tinha Jeanne Moreau como protagonista. As músicas de Calabar, como vimos, foram reunidas em disco apesar de a peça ter sido vetada para ser encenada somente em 1980.

     Dentre outras grandes canções que Chico compôs para filmes estão: Vai trabalhar, vagabundo, Flor da idade, O que será?, Eu te amo, Bye, bye, Brasil, A violeira, Imagina. E a lista de canções que Chico compôs para o teatro não fica atrás, incluindo: Passaredo, Quadrilha, Bem querer, Gota d'água, Mulheres de Atenas, Choro bandido, Bancarrota blues e Tango de Nancy, dentre muitas outras. Mar e lua, por sua vez, foi composta para o espetáculo de dança Geni.

     Dos parceiros, o mais estimado era o "maestro soberano", para quem disse mostrar tudo que fazia até que Tom faleceu. A parceria entre os dois começou em 1966, com Chico pondo letra no tema Zíngaro e transformá-lo no Retrato em branco e preto. Mas a lista de parceiros inclui uma série de grandes músicos e/ou letristas da MPB: Vinicius, Toquinho, Gilberto Gil, Francis Hime, Ruy Guerra, Miltinho, Djavan (A rosa e Tanta saudade), Edu Lobo, Hermínio Bello de Carvalho, Dori Caymmi, João Bosco, Guinga.

Chico na Roda

     Diversos personagens cantados por Chico frequentam regularmente a roda aberta do Sibipiruna, como a Rita, o guri e o malandro cuja homenagem leva todos a descer até o chão. Mas desta vez ele é nosso homenageado, recebendo atenção e carinho especiais, e seus sambas vão passar na esquina onde celebramos, a cada primeiro domingo do mês, o velho e o novo samba popular. Quem não conhece a obra do Chico terá uma bela oportunidade de conhecer. Quem já conhece está convidado para cantar conosco. "Vem, que passa teu sofrer/Se todo mundo sambasse, seria mais fácil viver"!
                                                                           
                                                                                                                                Flávia Natércia

Fontes:
http://www.multirio.rj.gov.br/login/images/PDFs/biografia-chicobuarque.pdf
http://www.chicobuarque.com.br

http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/NELIM/ensaios_artigos/heloisa_chicobuarqueeacensura.pdf


sábado, 4 de abril de 2015

Os Frutos da Sibipiruna



O Projeto de Samba Sibipiruna é um encontro cultural de amigos que se organizam todo primeiro domingo do mês pra fazer aquilo  que há de mais genuíno na história cultural do nosso país: o samba de rua, aberto, participativo.

Trata-se de um espaço de integração, agregação, de troca de ideias e surgimento de novo laços de amizade e sociabilidade. Tentamos romper com a barreira entre o público e privado, profissional e amador, uma vez que pensamos no samba como expressão cultural genuinamente popular.

A Sibipiruna vem gerando bons frutos, que são as inéditas músicas autorais de um time recheado de grandes compositores, dentre os quais: Carla Vizeu, Diogo Nazareth, Pedro Rossi, Maíra Guedes, Rafael Yasuda, Rodolfo Gomes, Milena Machado, Leandro RP, Tio Ney, Zeca Teca, Anisha, Samuel Bussunda, dentre outros.

As músicas autorais são um dos pilares fundantes deste lindo projeto. É um momento em que, respeitando o passado, buscamos contribuir para a continuidade presente e futura do samba, a partir de novas canções que busquem expressar toda a subjetividade do sambista e compositor.

Convidamos a todxs a chegar cedo na roda e ouvir nossas canções. Garantimos a beleza deste momento !!!!

Abaixo postamos algumas das brasas autorais.
Apreciem sem moderação ...






























segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

É Carnaval em Barão !!!




O mês de fevereiro vem chegando, e com ele todas as expectativas que giram em torno da maior festa popular do Brasil: o carnaval. Os ensaios das escolas de samba estão a “todo o vapor”, os blocos começam a se organizar, as viagens começam a ser marcadas, novas músicas começam a surgir e o clima de alegria e descontração passa a dominar os ambientes sociais. No mesmo sentido, o distrito de Barão Geraldo também respira este ambiente, e diversos blocos de carnaval passam a “esquentar os tamborins” para os tradicionais desfiles.

A característica principal do Carnaval de Barão Geraldo é ser eminentemente de rua, ou seja, um carnaval gratuito e aberto ao público em geral, que ocupa as ruas do distrito em busca de alegria e entretenimento. Num momento em que a mercantilização dos espaços de diversão vem criando critérios de seleção econômica e limitando a quantidade e a “qualidade” dos foliões (tais como escolas de samba e blocos pagos), o carnaval baronense representa um contra-ponto a este processo.

Ao mesmo tempo, ano após ano, o povo vem retomando as ruas, reconquistando o seu direito de brincar o carnaval, sem estar submetido à ordem do dinheiro. Em diversas cidades, o carnaval de rua vem crescendo e agregando moradores e turistas que aglomeram as ruas. Não poderia ser diferente no carnaval de Barão Geraldo.

A meu ver é muito bom que o processo de massificação do carnaval de rua de Barão Geraldo venha trazendo novos foliões, de diversas localidades da cidade. Trata-se de um processo de socialização da folia e do entretenimento, em que diversos grupos sociais de diversos gostos e preferências democratizam o seu lazer. Ao mesmo tempo é necessário que haja respeito às diferenças. É inadmissível que haja qualquer restrição a manifestação artístico-cultural a determinados grupos sociais, por conta de uma pseudo posição tradicionalista ou purista quanto ao carnaval. Muito menos que haja ações truculentas (como as da polícia civil e militar) em prol de uma suposta e aparente defesa da ordem e integridade patrimonial. Ou que haja qualquer tipo de opressão e assédio a qualquer pessoa queira expressar de sua forma a sua subjetividade (qualquer que seja).

Numa sociedade em que os espaços de participação e atuação política, artística e cultural são restritos, o carnaval ainda representa um dos poucos momentos de sociabilidade e espontaneidade. Torceremos para que este carnaval seja caracterizado pelo respeito às diferenças, muita alegria e muuuuito amor!!!!!

"E se não for falar de amor não quero nem ouvir ..."

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Agoniza mas não Morre




Nascia, em 25 de julho de 1924, aquele que posteriormente ficaria conhecido como um dos grandes compositores da história do samba: Nelson Mattos, popularmente conhecido como Nelson Sargento. Apelido conquistado pelos serviços prestados às forças armadas, Nelson Sargento é a história viva do samba, é o próprio samba em pessoa, quase uma entidade. Aos noventa anos de idade nosso querido Nelson pode ser visto como testemunha ocular das transformações que o samba e a sociedade passaram desde os “tempos idos”, até os “dias atuais”.

Nascido na Tijuca, Nelson viveu boa parte de sua infância no Morro do Salgueiro com sua mãe Rosa Maria, empregada doméstica e lavadeira. No morro Nelosn aproximou-se do samba,  chegando a tocar tamborim  em desfiles da escola “Azul e Branco”, uma das três escolas que posteriormente formariam o Acadêmicos do Salgueiro.

Por questões de ordem financeira, Nelson, ainda jovem, foi morar no Morro da Mangueira. Lá ele conheceu um Alfredo Português, antigo compositor do Estação Primeira de Mangueia, que o aproximou da escola. “Apadrinhado” por Carlos Cachaça, Nelson Sargento se aproximou de Cartola e Nelson Cavaquinho, com os quais aprendeu a tocar violão e aperfeiçoar suas melodias. Aos poucos foi sendo reconhecido pela escola, sendo coroado com a escolha de seus samba-enredo “Primavera” (um dos mais bonitos de todos os tempos) para defender as cores da Mangueira no carnaval de 1955.

 Nos anos 60 passa a frequentar o “badalado” bar Zicartola, ganhando maior notoriedade do meio artístico-profissional e de grupos sociais com maior poder aquisitivo, consumidores da arte e cultura. Nesta época foi convidado a  participar  do espetáculo “Rosa de Ouro” e passou a integrar  o grupo “A Voz do Morro” junto com outros bambas (tais como  Zé Kéti, Paulinho da Viola, Elton Medeiros,  Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, Zé Cruz e Oscar Bigode), gravando dois discos.

Assim como outros bambas da época, Nelson foi condenado ao ostracismo nas décadas seguintes, muito por conta de novas influências musicais e artísticas que despontavam e redirecionavam o mercado fonográfico do momento. A crescente e caótica urbanização e a introdução de novos padrões de entretenimento e sociabilidade foi remodelando os padrões culturais, impondo transformações inclusive na forma de se fazer samba. Como consequência a Velha Guada do samba já não era tão interessante para os negócios culturais.

Em 1979 Beth Carvalho gravou uma música de Nelson Sargento que se tornaria, em suas palavras, o “hino do samba”: Agoniza mas não Morre. Este samba não deixa de ser uma resposta as transformações apontadas acima, mas além disso, indica a resistência do próprio samba, mesmo com modificações em sua estrutura, a tais transformações. Porque nem sempre as mudanças de ordem política e econômica são capazes de solapar uma cultura genuína e espontânea, base para o autorreconhecimento e identidade de certo grupo ou classe social.

Apesar disso, Nelson Sargento nunca foi saudosista ao ponto de negar as transformações que as novas gerações impuseram ao samba. Ele, certa vez,  disse que, quando jovem, também queria fazer as coisas de forma diferente, de seu jeito. A diferença, segundo ele, era que existia, naquela época, certo respeito e uma busca de aprendizado com os mais velhos, aspecto que foi se perdendo com o passar das gerações.      

Nelson não foi apenas um grande sambista, mas também um grande artista plástico e um grande filósofo do samba e da vida. Em seus sambas as questões existenciais se confundem com os problemas do cotidiano, não existindo soluções simplistas ou maniqueistas para os dilemas da vida. Ouvir e tocar Nelson Sargento é aprender, aprender sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre o mundo. O samba, este “negro forte e destemido”, lhe agradece.



Por essas e outras o Projeto de Samba Sibipiruna tem, humildemente, a honra de homenagear este grande mestre do samba cantando algumas de suas principais canções neste domingo, dia 7/12/2014, a partir das 16 horas, no Bar Esquina 108, próximo à moradia estudantil da Unicamp.