Por BATATA ROMANINI
Desponta, no dia 29 de
outubro de 1911, a Luz Negra. Não aquela simbolizando a morte e seu entorno, tema
característico e recorrente da obra desse ícone. Na gênese de bambas, o
surgimento da Luz de uma pele Negra que mudaria para sempre a trajetória do
samba. A Luz Negra que representa a voz rouca, o estilo único de tocar, a
malandragem, as noites em serestas, a autêntica boemia. Falamos aqui de Nelson
Cavaquinho. Ao mestre, com licença.
Filho de Maria Paula da
Silva, lavadeira do convento de Santa Teresa. Filho de Brás Antônio da Silva,
que tocava tuba na Polícia Militar. Sobrinho de Elvino, de quem o violino
tentava acompanhar em um instrumento improvisado, montado com uma caixa de
charuto e arames esticados. Dessa maneira a música entrou na vida de Nelson
Antonio da Silva pra nunca mais sair.
Da infância na Lapa à
adolescência na Gávea, onde conviveu com grandes chorões da época, a paixão
pelo cavaquinho o fez observar os grandes tocarem e a treinar as artimanhas
aprendidas com o olhar quando alguém lhe emprestava o instrumento. Assim, de
maneira autodidata, desenvolveu sua marca: balançar as cordas de aço com apenas
dois dedos. Seu novo e eterno batismo artístico se concluiu... Tornou-se Nelson
Cavaquinho, músico respeitado e admirado graças ao choro “Queda”.
Forçado pelo pai da noiva se
casou com Alice Ferreira Neves aos 20 anos, com quem gerou quatro filhos. Para
conseguir manter a família passou, através da indicação de seu pai, a trabalhar
na cavalaria da Polícia Militar. Sua função? Fazer rondas noturnas no Morro da
Mangueira. A vida boêmia na verde-e-rosa permitiu que conhecesse figuras como
Cartola e Carlos Cachaça e que se tornasse mais um poeta da Estação Primeira.
Entregou-se ao samba e à vida noturna, ficava por dias sem retornar à sua casa,
sem regressar ao trabalho. Punido com várias detenções por essa conduta, compôs
“Entre a Cruz e a Espada” em um dos episódios de prisão.
Saiu da Polícia Militar,
terminou seu casamento. Agora seu pecado era “passar noites em serestas,
bebendo por aí, pela cidade”. Estava entregue de vez à boêmia e à pobreza. Passou
a frequentar a Praça Tiradentes, onde conheceu Lígia, uma sem-teto
que dormia no local. Em meio ao romance, Nelson chegou a tatuar o nome dela no
ombro direito. A música "Tatuagem" faz menção a esse acontecimento:
"O meu único fracasso/ Está na tatuagem do meu braço".
Com Cartola compôs a música
“Devia Ser Condenada”. Única parceira dos dois, afinal, dias após a concepção,
Cartola encontraria um sujeito em um bar na Mangueira se dizendo autor da
música. Nelson a havia vendido, assim como vendeu tantas outras, em troca de
dinheiro, de um prato de comida, de um pernoite em um quarto de hotel barato. Em
diversas ocasiões utilizou suas canções como moeda de troca para sobreviver.
Nas madrugadas, pela mesa dos bares, acompanhado de uma bebida, dava forma às
suas criações (a maioria sem registro, pois não as escrevia, mantinha-as na
memória). Era isso que movia o Nelson compositor. Nas palavras do mesmo: “Nunca
fiz samba por encomenda, por isso jamais vou compor um samba-enredo. Acho
horrível você ter de fazer aqueles lá-lá-lá e oba-oba obrigatórios na linha
melódica das escolas de samba. Faço músicas para tirar as coisas de dentro do
coração. E foi assim desde o dia em que fiz meu primeiro samba”.
Sua primeira composição
registrada foi “Não Faça Vontade a Ela” por Alcides Gerardi em 1939, mas seu
primeiro sucesso só foi acontecer com “Rugas”, gravado em 1946 por Ciro
Monteiro. Na década de 50, optou por trocar o cavaquinho pelo violão e conheceu
seu principal parceiro, Guilherme de Brito, com quem compôs vários de seus
sucessos. A fama só veio na década de 1960 quando passou a se apresentar no
Zicartola.
Foi apenas em 1970 que
gravou seu primeiro disco. Em seu terceiro, de 1973, foi, pela primeira vez, a
público tocando o instrumento que deu origem ao seu batismo de bamba. Nesse
mesmo trabalho, Guilherme de Brito gravou, pela primeira vez, ao lado do amigo,
suas mais importantes composições: “A Flor e o Espinho”, “Quando Eu Me Chamar
Saudade”, “Pranto de Poeta”.
Quando já estava “no último
degrau da vida”, o poeta gravou o disco-tributo “As Flores em Vida”, em que
canta quatro faixas, sendo as demais interpretadas por Cristina Buarque, Chico
Buarque, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, João Bosco e Toquinho.
Na madrugada do dia 18 de
fevereiro de 1986, aos 74 anos, poucos dias após a Mangueira vencer o carnaval,
a morte, tão presente em suas composições, o encontrou. Um enfisema pulmonar
apagara a Luz daquele de cor Negra.
Se o pranto em mangueira é
tão diferente, no Sibipiruna não é diferente. Agora, Nelson Cavaquinho se torna
um novo ramo. Cada nova folha crescida, uma canção a ser ouvida. Enquanto na
árvore puder existir, Nelson Cavaquinho não se chamará saudade. Será eterno
novamente!
segue programa feito pela tv cultura em homenagem a Nelson Cavaquinho
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=BqdpX6gccb4
e outros dois programas feitos pela rádio cultura
http://www.culturabrasil.com.br/generos/samba/nelson-cavaquinho-100-anos
http://www.culturabrasil.com.br/especiais/centenario-cavaquinho-tres-sambas-para-nelson-4/centenario-cavaquinho-tres-sambas-para-nelson-3