Afilhada
musical de Cartola, primeira mulher a integrar a ala de compositores da
Mangueira, exímia compositora de sambas de terreiro, de protesto e, claro, dos
amores não correspondidos, autora do samba que ficou conhecido como “hino do
pagode” e madrinha de boa parte dos pagodeiros de 1990, Leci Brandão é a próxima
homenageada do Sibipiruna.
De
origem humilde, teve a necessidade de trabalhar desde muito nova. A filha de Dona
Leci foi operária, telefonista, carregou marmita e só conseguiu um cargo com
remuneração maior após ficar conhecida por participar do programa “A grande
chance”, no qual foi considerada a melhor compositora da noite.
Negra
e pobre - o que não se configura, necessariamente, como um obstáculo no mundo
do samba -, é o fato de ser “mulher de fibra” e de “por a boca no mundo e fazer
um discurso profundo” o que caracteriza, sobretudo, sua trajetória pelo mundo
do samba e para além dele.
Nascida
em Madureira, mas “verde e rosa de coração”, Leci Brandão adentra no tradicionalíssimo
mundo do samba carioca em 1971, quando, convidada por Zé Branco, realiza um
‘estagio’ na ala de compositores da Mangueira. Em 1972 já desfilava na escola
como sendo a primeira mulher a integrar esta ala e em 74 concorria em sua
primeira final de samba-enredo. Fato este que se repetiu por mais cinco vezes,
tornando-se “hexa-campeã de vice-campeonatos”. Infelizmente nunca conseguiu ver
sua escola desfilar com um samba de sua autoria.
A cantora, antes, se apresentou em festivais
estudantis do final dos anos 60 e no famoso Teatro Opinião. Neste contexto de resistência
à ditadura militar e de uma arte engajada, suas composições, cujo tema era seu
cotidiano, ganham o gosto dos críticos: sofrimento, luta e condição
subalterna transformam-se em gritantes
canções.
Como
compositora contou, protestou, cantou e denunciou a Dona de casa, o Bagulho do
amante, a Maria de um só João,o Negro zumbi, a Mistura da raça. Além das
musicas destinadas à defesa dos homossexuais como Questão de gosto, Ombro-amigo, Chantagem; não se esquecendo de clássicos como Menor abandonado, Deixa, deixa e
Zé do caroço.
Ao
receber “sugestões” para abandonar o repertório muito contestador que daria
corpo ao disco a ser lançado em 1981 pela multinacional Poligram - dentre elas
estariam Zé do caroço e Deixa,deixa – Leci pede demissão da gravadora. Não se rendendo a “essa gente negligente,
quase sempre indiferente à nossa canção” a cantora vive basicamente de seus
shows durante cinco anos. Mas como a
“força da dureza não cala o cantor” Leci volta a gravar em 1985, quando Zé do
Caroço se consagra, sendo regravado, ainda, nos anos 90 pelo Art Popular e no
início dos anos 2000 por Revelação, Seu Jorge e Mariana Aydar.
Esse
segundo momento de seu retorno aos discos é também um momento em que Leci passa
a priorizar e/ou ser priorizada por São Paulo. Como ela mesma diz, é São Paulo
quem a consagra. É a emergência dos grupos de pagodes – que se inicia com o
boom do Raça Negra – que restitui o samba aos holofotes em finais de 80. São as
parcerias e regravações dos pagodeiros de 90 – Só preto, Sem Compromisso,
Sensação, Art Popular, É d+, Pique Novo, os Morenos entre outros - que trazem
Leci de volta à mídia, agora, como madrinha e sambista respeitada.
Sem
arrogância e problematizando o preconceito, desculpa-se com o poeta, mas
defende o samba paulista da Barra Funda, do Bexiga e da Nenê. Afasta-se de
críticas maldosas e é humilde ao reconhecer os ganhos que os sambistas tiveram
com a chegada dos grupos de pagode dos anos 90: desde melhores condições de
trabalho – transporte, camarim, estrutura de som e luz – até o retorno “dos
velhinhos” do samba ao rádio e mesmo à mídia – não só ela, mas também Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho e Almir Guineto são bons exemplos disso. “O que é isso
meu amor venha me dizer: Isso é fundo de quintal é pagode pra valer”.
É assim nossa musa, vivendo e cantando as contradições que alimentam a tradição e a modernidade, o samba e o mundo. Leci Brandão faz da "vergonha, loucura, abre e escancara a verdade, nua sem ser preconceito". No domingo, deixemos a vergonha de lado. Amemos " essa tal criatura que envergonhou a cidade"!
Muito legal o texto!!! Bora cantar Leci!!!
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