quarta-feira, 24 de abril de 2013

São Pixinguinha

 





Pixinguinha (1897 - 1973)

                                                                                                                                     por André Santos 

Nascido no Rio de Janeiro em 23 de abril de 1897, data em que é comemorado o dia de São Jorge, Alfredo da Rocha Vianna Filho foi um dos oito filhos de Alfredo da Rocha Vianna e Raimunda Maria da Conceição. As reuniões de chorões que o pai Alfredo, flautista, fazia em sua casa no bairro do Catumbi, Rio de Janeiro, encantava a criançada, tanto que a maior parte dos filhos seguiu a paixão do pai, inclusive Alfredo filho, que se tornou Pixinguinha, um dos maiores músicos brasileiros da história, exímio flautista, saxofonista, compositor e arranjador de choros, sambas e valsas.  

Pizindim foi o primeiro apelido do garoto, caçula entre oito irmãos. Mais tarde, após o menino contrair Bexiga na época da epidemia, o apelido modificou-se para Bexiguinha e depois Pexinguinha, terminando por ficar conhecido como Pixinguinha. Aos onze anos o menino começou a aprender música com os irmãos mais velhos tocando cavaquinho. Logo o garoto se destacou entre os demais. Aos doze anos compôs seu primeiro choro, Lata de leite, homenagem aos chorões que, ao voltarem da boemia, bebiam os leites já deixados nas portas das residências pela manhã.

Pixinguinha aprendeu a tocar flauta com o professor Irineu de Almeida e aos 14 anos já participava de ranchos e sociedades carnavalescas. Nessa época, seu irmão mais velho, conhecido como China, lhe arranjou o primeiro emprego como músico, tocando em cabarés na Lapa. Com o sucesso na noite, três anos depois, em 1914, Pixinguinha foi convidado a trabalhar na Orquestra do Teatro Rio Branco como flautista. Nesses anos, o músico também tomava parte nas famosas reuniões de sambistas e chorões na casa da Tia Ciata, tido como o berço do samba carioca. Ali, participou do nascimento do primeiro samba gravado, Pelo telefone, estrondoso sucesso do carnaval de 1917. Em 1919, por sua vez, Pixinguinha emplacou seu primeiro sucesso do festejo com Já te digo, tornando-se figura bastante conhecida da música da cidade.

No início da década de 20 teve grande sucesso o grupo “Os oito batutas”, formado por Pixinguinha para tocar na sala de espera do Cinema Palais, templo da elite carioca da época. O espaço, que antes era dedicado a ritmos estrangeiros como polca, mazurcas e xotes, recebia pela primeira vez um repertório de música nacional, com os choros e sambas de Pixinguinha, Donga e companhia. Após a boa recepção da temporada de estreia, o grupo excursionou por todo o Brasil com grande destaque e adicionou ao seu repertorio “emboladas”, “cocos” e “desafios”. A flauta de Pixinguinha era constantemente elogiada pela crítica, por onde passava o grupo.

Em 1922 os Oito Batutas realizaram uma temporada em Paris com enorme sucesso, para desapontamento da crítica racista no Brasil, que não deixou de desferir seus preconceitos pelo fato de oito negros estarem representando a música brasileira no exterior. A temporada que seria de três meses, durou o dobro de tempo, tamanho o sucesso do grupo. Ao voltarem para o Brasil, os Oito Batutas ainda realizaram turnê pela Argentina antes do grupo se desfazer. Pixinguinha tornou-se então maestro da Orquestra da Companhia Negra de Revistas, famoso teatro de revista da época, que contava, entre outras personalidades negras, com o jovem ator Grande Otelo.

Foi no Teatro de Revistas que Pixinguinha conheceu aquela que seria sua esposa e companheira desde 1927, ano do casamento, até o final de sua vida. Albertina da Rocha, a Betty, era a estrela da Companhia Negra de Revista e com Pixinguinha teve um filho adotivo, chamado Alfredo da Rocha Vianna Neto, conhecido como Alfredinho.

Em 1930 Pixinguinha tornou-se maestro exclusivo da maior gravadora da época, a RCA Victor, e lá orquestrou seu maior sucesso, Carinhoso, música que o consagraria em definitivo como um dos maiores compositores da nossa música. Com o Grupo da Velha Guarda o flautista orquestrou e gravou com os maiores cantores da época. De Ismael Silva a Carmen Mirando, de Noel Rosa a Carlos Galhardo.

Na década de 40, Pixinguinha ficou impossibilitado de tocar flauta e adotou o saxofone como instrumento. Neste período, formou dupla com o flautista Benedito Lacerda. Os contrapontos que o sax de Pixinguinha fazia à flauta de Lacerda tornaram-se famosos e consagrados na história da MPB. O mestre mudava de instrumento, mas sua habilidade e sensibilidade musical ainda eram as mesmas. Acompanhados pelo Grupo da Velha Guarda, em 1954 a dupla tocou no Parque do Ibirapuera por ocasião da comemoração do quarto centenário da cidade de São Paulo, quando Pixinguinha recebeu uma homenagem da comissão do evento.

Ao longo da década de 60 as homenagens ao mestre só iriam aumentar, entre medalhas, prêmios e shows. Dentre os quarenta troféus e prêmios, destacam-se dois Discos de Ouro, o Jubileu de Prata da Rádio Roquete Pinto, a Ordem Comendador do Clube de Jazz e Bossa e o Diploma da Ordem do Mérito do Trabalho, recebido das mãos do presidente da república. Em 1968 Pixinguinha gravaria ao lado dos amigos Clementina de Jesus e João da Baiana um dos mais sublimes e preciosos documentos da nossa música popular, o LP Gente de Antiga, composto de sambas, choros, batucadas, corimas e partido-alto.

Em 17 de fevereiro de 1973 Pixinguinha faleceu dentro da igreja Nossa Senhora da Paz, onde estava para batizar o filho de um amigo. Foi enterrado no dia seguinte, no cemitério de Inhaúma, Rio de Janeiro, ao lado de sua mulher, que falecera um ano antes.  No ano seguinte, a Escola de Samba Portela desfilava em homenagem ao mestre, tornando-se vice-campã do carnaval carioca e imortalizando mais um samba-enredo que é lembrado nas rodas de samba pelo Brasil:

"E ele que era um poema de ternura e paz
fez um buque que não se esquece mais
de rosas musicias"

Agora, em maio de 2013, a roda de samba será formada mais uma vez em frente à Sibipiruna, que vai balançar ao som dos choros e sambas deste pioneiro e ilustre músico que soube ser bem brasileiro em uma época em que bonito era imitar estrangeiro. Pixinguinha foi o mestre maior que abriu caminho para que todos os sambistas e chorões pudessem cantar em roda e desfilar no morro, no asfalto ou na avenida. A você Maestro e Mestre Alfredo da Rocha Vianna Filho, a nossa homenagem dia 5 de maio de 2013.    


Frases sobre Pixinguinha:
Vinícius de Moraes
“Pixinguinha pra mim continua sendo o maior de todos os músicos populares brasileiros”.

“Pixinguinha é o melhor ser humano que eu conheço. E olha que o que eu conheço de gente não é fácil!”.

Fernando Faro
“Pixinguinha sempre foi admirado, respeitado e querido”.

Tom Jobim
“Você sabe que o Pixinguinha morreu de repente aqui na Nossa Senhora da Paz, né. Ele foi a igreja e morreu na igreja. É um santo mesmo.”   

Vídeos:

 http://www.youtube.com/watch?v=b_Bi5p_Q8ak

 http://www.youtube.com/watch?v=fhqAVEEezAw
 

segunda-feira, 1 de abril de 2013


Essa tal criatura do samba.


Gabi e Souza.
Foto: Maíra Sampaio e Douglas Darzo 

Afilhada musical de Cartola, primeira mulher a integrar a ala de compositores da Mangueira, exímia compositora de sambas de terreiro, de protesto e, claro, dos amores não correspondidos, autora do samba que ficou conhecido como “hino do pagode” e madrinha de boa parte dos pagodeiros de 1990, Leci Brandão é a próxima homenageada do Sibipiruna.
De origem humilde, teve a necessidade de trabalhar desde muito nova. A filha de Dona Leci foi operária, telefonista, carregou marmita e só conseguiu um cargo com remuneração maior após ficar conhecida por participar do programa “A grande chance”, no qual foi considerada a melhor compositora da noite.
Negra e pobre - o que não se configura, necessariamente, como um obstáculo no mundo do samba -, é o fato de ser “mulher de fibra” e de “por a boca no mundo e fazer um discurso profundo” o que caracteriza, sobretudo, sua trajetória pelo mundo do samba e para além dele. 
Nascida em Madureira, mas “verde e rosa de coração”, Leci Brandão adentra no tradicionalíssimo mundo do samba carioca em 1971, quando, convidada por Zé Branco, realiza um ‘estagio’ na ala de compositores da Mangueira. Em 1972 já desfilava na escola como sendo a primeira mulher a integrar esta ala e em 74 concorria em sua primeira final de samba-enredo. Fato este que se repetiu por mais cinco vezes, tornando-se “hexa-campeã de vice-campeonatos”. Infelizmente nunca conseguiu ver sua escola desfilar com um samba de sua autoria.
 A cantora, antes, se apresentou em festivais estudantis do final dos anos 60 e no famoso Teatro Opinião. Neste contexto de resistência à ditadura militar e de uma arte engajada, suas composições, cujo tema era seu cotidiano, ganham o gosto dos críticos: sofrimento, luta e condição subalterna  transformam-se em gritantes canções.
Como compositora contou, protestou, cantou e denunciou a Dona de casa, o Bagulho do amante, a Maria de um só João,o Negro zumbi, a Mistura da raça. Além das musicas destinadas à defesa dos homossexuais como Questão de gosto, Ombro-amigo, Chantagem; não se esquecendo de clássicos como Menor abandonado, Deixa, deixa e Zé do caroço.
Ao receber “sugestões” para abandonar o repertório muito contestador que daria corpo ao disco a ser lançado em 1981 pela multinacional Poligram - dentre elas estariam Zé do caroço e Deixa,deixa – Leci pede demissão da gravadora.  Não se rendendo a “essa gente negligente, quase sempre indiferente à nossa canção” a cantora vive basicamente de seus shows durante cinco anos.  Mas como a “força da dureza não cala o cantor” Leci volta a gravar em 1985, quando Zé do Caroço se consagra, sendo regravado, ainda, nos anos 90 pelo Art Popular e no início dos anos 2000 por Revelação, Seu Jorge e Mariana Aydar.
Esse segundo momento de seu retorno aos discos é também um momento em que Leci passa a priorizar e/ou ser priorizada por São Paulo. Como ela mesma diz, é São Paulo quem a consagra. É a emergência dos grupos de pagodes – que se inicia com o boom do Raça Negra – que restitui o samba aos holofotes em finais de 80. São as parcerias e regravações dos pagodeiros de 90 – Só preto, Sem Compromisso, Sensação, Art Popular, É d+, Pique Novo, os Morenos entre outros - que trazem Leci de volta à mídia, agora, como madrinha e sambista respeitada.
Sem arrogância e problematizando o preconceito, desculpa-se com o poeta, mas defende o samba paulista da Barra Funda, do Bexiga e da Nenê. Afasta-se de críticas maldosas e é humilde ao reconhecer os ganhos que os sambistas tiveram com a chegada dos grupos de pagode dos anos 90: desde melhores condições de trabalho – transporte, camarim, estrutura de som e luz – até o retorno “dos velhinhos” do samba ao rádio e mesmo à mídia – não só ela, mas também Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e Almir Guineto são bons exemplos disso. “O que é isso meu amor venha me dizer: Isso é fundo de quintal é pagode pra valer”.
          É assim nossa musa, vivendo e cantando as contradições que alimentam a tradição e a modernidade, o samba e o mundo. Leci Brandão faz da "vergonha, loucura, abre e escancara a verdade, nua sem ser preconceito". No domingo, deixemos a vergonha de lado. Amemos " essa tal criatura que envergonhou a cidade"!