Aniceto do Império
"Partido-Alto é um caso sério"
“O meu pai é rei das
matas
Minha mãe senhora do
rio
Uso tanga a noite
Sem camisa não sinto
frio”
Aniceto Menezes e Silva Junior foi um dos maiores
“partideiros” que a terra já viu. Trabalhou durante trinta anos como arrumador no cais do Porto do Rio de Janeiro,
cidade onde nasceu em 1912. Liderou o sindicato dos arrumadores em diversas e
exitosas greves, inclusive durante a greve histórica de 1946.
O Morro da Serrinha foi o lugar onde Aniceto fez sua morada musical, apesar de não residir fisicamente por lá. Ali no morro cantou o seu samba e firmou ponto no jongo de Tia Maria, ao lado de Mestre Fuleiro, Mano Elói, Sebastião Molequinho, Mano Décio da Viola, Mestre Silas de Oliveira e outros bambas mais, companheiros
de fundação da tradicional Escola de Samba Império Serrano, que surgiu sob a égide
da democracia em 1947.
Mestre Aniceto fez-se doutor na arte do Samba de Partido-Alto,
modalidade de Samba em que um solista realiza versos de improviso entremeado
por refrões cantados em coro. Para ele, a arte do Partido-Alto não se aprende,
mas é um dom. Nos diversos modos diferentes de cantar e compor partido-alto,
Aniceto foi dos melhores e mais versáteis. Diz a lenda que não havia, no Rio de
Janeiro, maiores “partideiros” do que Aniceto do Império e Padeirinho da
Mangueira. Em um encontro entre os dois, quem viu viu, quem ouviu ouviu e
guardou na memória. Quem ficou, conta a história e há quem diga que um foi o
melhor, há quem diga que foi o outro.
Ao longo da sua respeitável trajetória no samba, Aniceto
destacou-se pela excelente oratória. O mestre valia-se sempre de palavras
rebuscadas, tanto em suas composições de samba como em suas falas, discursos e
entrevistas. Esta qualidade o levou ao cargo de orador da Escola de Samba
Império Serrano, função que desempenhou com notável maestria e galhardia.
Na arte do Partido-Alto,
Aniceto foi reverenciado por grandes sambistas como Mestre Candeia, João
Nogueira, Martinho da Vila, Dona Ivone Lara e Roberto Ribeiro, nomes com os
quais gravou e versou. Sua discografia traz dois discos solos voltados exclusivamente
para a arte do Partido-Alto. Em 1977 lançou, acompanhado do saudoso Campolino, outro partideiro de
primeira, o disco “O Partido-Alto de Aniceto e Campolino”.
Em 1984 lançou o seu mais conhecido disco, “Partido Alto Nota 10”, que é uma
verdadeira aula de partido-alto e conta com participações de Roberto Ribeiro,
Dona Ivone Lara, João Nogueira, Clementina de Jesus, Martinho da Vila e Zezé
Motta. Entre estes dois discos, Aniceto participou das coletâneas “Quem Samba
Fica” e “Os Bambas do Partido-Alto” sempre gravando suas composições. Aniceto
também participou do disco “Luz da Inspiração” de sua amigo Candeia, quando os
dois cataram o partido “Maria Madalena da Portela”, composição de Aniceto.
No próximo dia 06 de Julho, domingo, às 15h, é a Sibipiruna quem presta sua singela homenagem ao
mestre Aniceto do Império. Com respeito, pedimos licença aos mais velhos, aos
ancestrais, às Entidades e aos Orixás. E vamos de Partido-Alto. Axé!
PS. Eduardo Coutinho entrevistou Aniceto do Império para o
excelente filme “O Fio da Memória” em 1988, quando o mestre estava internado no
hospital, cego e com diabetes. Esta é, talvez, uma das mais formidáveis
entrevistas já realizadas em um documentário brasileiro. Com sua oratória
apurada, há na entrevista um momento em que Aniceto praticamente inverte a situação
e passa a entrevistar Coutinho, deixando o hábil entrevistador em apuros, sob
os olhares apaixonados e as gargalhadas da enfermeira do hospital. As respostas
do sambistas são auspiciosas e inteligentes. Em determinada altura da
entrevista, Coutinho pergunta ao velho Aniceto:
Coutinho:
O senhor esta com diabetes?
Aniceto:
Graças a Deus eu sou diabético.
Coutinho:
Porque Graças a Deus?
Aniceto:
Porque Deus quer assim e eu devo aceitar tudo aquilo que ele manda. Ele sabe o
que faz e eu não sei o que quero.
Confira
a entrevista!
Basta
clicar no link do Youtube abaixo e seguir para o minuto 1:01:18 do filme,
quando começa a segunda parte, justamente sobre Aniceto.